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De Marx a Biden - O mundo que não para de mudar - Por Flavio Siqueira
08/11/2020 19:34 em Textos
A queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética representaram duro golpe na utopia socialista.
Ficou escancarado que algo muito sério havia dado errado e, por mais que a União Soviética tivesse conquistado indiscutível relevância no período da guerra fria, o peso de um regime totalitário não suportou a brisa do liberalismo que anunciava um mundo novo.
A partir dos anos oitenta e, mais fortemente anos noventa, a brisa se transformou em vento causando uma clara reorganização nas forças de trabalho e produção, aliadas a tecnologia e facilitação das comunicações. Era preciso outro entendimento sobre o conceito de "luta de classes", que para Marx, no início da revolução industrial, fazia todo sentido.
A ventania aconteceu na entrada do século XXI e rapidamente se transformou em furacão, abalando o tabuleiro e desorganizando completamente as peças e crenças.
Apesar do resquício retórico que seguia propondo guerras entre proletários e burgueses (setorizado especialmente entre sindicatos, universidades e partidos políticos de esquerda) a pertinência do socialismo em um mundo muito mais complexo do que o início da revolução industrial necessitava de novos símbolos, pelo menos que fizessem mais sentido em uma sociedade forjada pela lógica do consumo.
Natural que nesse cenário, o consumo como ideal (consumismo), sobrepusesse ideais comunitários (comunismo). O próprio cristianismo fez tal movimento pragmático que começou nos anos setenta, passou pela teologia da libertação e chegou ao neopentecostalismo.
No caso do Brasil, com a ascensão do PT ao poder, o processo de diluição de dogmas se fez ainda mais necessário, afinal, em nome do "pragmatismo" o governo aderiu ao antes demonizado "neo liberalismo" surfando incólume até que as primeiras rachaduras, as que derrubariam o castelo, começassem a aparecer.
Foi necessário retomar o discurso do "nós contra eles" (guardado na gaveta desde a "carta ao povo brasileiro" de Lula) tocando fogo, estigmatizando a classe média, a imprensa ou quem questionasse as evidentes contradições (pra dizer o mínimo) de um grupo que há muito tinha deixado de ser mera "organização de trabalhadores".
Você conhece o fim dessa história e talvez já tenha percebido a hibridização entre dogmas socialistas e slogans publicitários: "Lute como uma garota", "Lula livre", "Não ao fascismo" o rosto da ex vereadora Marielle, a bandeira do movimento LGBT, vidas negras importam, entre outros.
Não quero entrar no mérito das causas, muitas são justas, são temas que devem ser encarados, mas, da forma que é, me parece que isso não é o mais importante. Vale a força do slogan e, sobretudo, a capacidade mobilizadora.
No fim representam fragmentos de um fundamento que se perdeu nas complexidades de uma sociedade cada vez mais ávida por algo para se agarrar. Aquele mundo líquido (do Balman) tem se especializado na criação de miragens. É a era da pós verdade.
Foi nesse vácuo que a chamada nova direita bolsonarista (sobre isso leia meu texto anterior "Trump, Bolsonaro e a era da insensatez") se encaixou. Por um lado jogando sal nas enormes feridas da esquerda que até então representava o status quo, por outro, não oferecendo nada de concreto que pudesse substituí-la. Deu no que deu.
No fim de 2020 estamos vivendo outro período de radicais transformações aceleradas pela confusa experiência de uma pandemia em plena era das redes.
Talvez o primeiro efeito político mais evidente tenha sido a eleição de Biden acompanhada pela contestação de Trump.
De repente o homem ocupando o cargo mais poderoso do mundo coloca-se como vítima de um sistema eleitoral que o beneficiou quatro anos antes.
Como sempre os seguidores embarcam sem questionamentos.
Eleito, Biden abandona a confortável posição de ser apenas o contrário de Trump. Sobre ele recairá o imenso peso de presidir um país complexo, dividido, empobrecido, no meio de uma pandemia.
O choque de realidade virá na mesma medida em que a expectativa pela troca de comando na casa branca ganhou os contornos publicitários de uma controversa eleição.
O maior desafio será promover alguma união possível entre americanos.
Movimentos iniciais, fundamentais, até que outros venham e tudo mude de novo.
Como sempre.
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